…no rosto um vento fresco, acompanhado de uma garoa fina, que me provocou uma lembrança suave e ao mesmo tempo triste, de um tempo que passou. Esse momento, rápido e fugaz, aflorou ao consciente, causando-me, com aquela garoa fina, uma saudade profunda e aconchegante, em que nossa cidade era chamada de “São Paulo da garoa”.
A minha infância e juventude foram vividas em uma cidade dinâmica, progressista, porém, humana. Hoje, diferentemente, daquela época, acabou a poesia do nevoeiro e da garoa. O impacto causado pelo prazer inocente daquele orvalho toldou, momentaneamente, minha visão e transportou-me para São Paulo de sessenta anos atrás. Eu era então um garoto que andava descalço, correndo num campinho de futebol, feliz da vida. Feliz, sim, com “aquele pouco” que a vida oferecia; aquilo que hoje nenhuma criança suporta (não possuir tudo (ou mais) que o vizinho) era um sentimento desconhecido: reclamações, revoltas, e demais vícios comuns na vida moderna, não existiam, ainda porque, se você era pobre, ninguém se atrevia a perguntar aos pais qual a razão “dessa injustiça”.
Nas noites frias, nossa diversão (pasmem) era ficar à janela, observando, enlevados, a neblina e a garoa de braços dados, flutuando, amorosamente, sobre a cidade. Era um espetáculo da natureza, puro e “sem intervalos comerciais”. Aquela singeleza era um calmante natural, que induzia ao descanso, gerando sonhos e paz de espírito. Gradativamente, porém, um ser traiçoeiro, impregnado de uma retórica poderosa, intrometeu-se na vida das pessoas, prometendo que uma coisa chamada progresso nos daria vida melhor. E o progresso foi tomando conta da alma de todos. As mudanças, inegavelmente, proporcionaram grandes melhorias, todavia, o progresso, como toda a mudança, precisava ser dosado, evitando jogar-se em seus braços, irrefletidamente, como a humanidade ainda imatura, o fez. Assim, o progresso, baseado na simplicidade foi gradativa e, insidiosamente, substituído pela ideia de que o caminho da felicidade passa pelo consumo insaciável de bens materiais. É o consumo e o acúmulo de bens sem limites e nunca saciados que impulsionam esse modelo suicida de desenvolvimento, coveiro da beleza das maravilhas, deste maravilhoso planeta.
Resultado: Se perguntarmos a qualquer morador de uma cidade: você trocaria seu programa de televisão por alguns momentos de absoluto silêncio, recebendo em seu rosto o toque quase mágico do orvalho de uma garoa fria? Não tenho dúvida de qual seria a resposta, e mais, isso, se ainda não recebesse o título de maluco, ou coisa que o valha. Enfim, espero confiante, que essa pequena reflexão nos faça desejar (e lutar) por um mundo, verdadeiramente humano, fazendo-nos retornar à “nossa querida Terra”.
Luiz Santantonio
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